Chamar Alguém de Nazista é um Passe Livre para a Violência

Se você pode rotular alguém como "nazista", não precisa mais se envolver com seus argumentos, muito menos com sua humanidade. Eles se tornam O Outro. Um mal encarnado que deve ser combatido, não persuadido. Um câncer que precisa ser extirpado, não compreendido. Essa é a lógica sombria que se desenrola quando abrimos mão da persuasão em favor da difamação.

É um passe livre para a violência.

Pois o que você faz com um nazista? Você o soca. Você o expulsa da praça pública. Você o silencia. Porque a história nos ensinou que ideias perigosas não podem ter espaço. Vimos o que aconteceu da última vez que o mundo tentou raciocinar com Hitler. Não podemos cometer esse erro novamente!

Esse apelo à violência não é apenas hipotético. Tornou-se uma justificação explícita. "Soque um nazista!" não é um grito marginal, mas um refrão comum em muitos círculos que se orgulham de sua virtude moral. A ideia de que a violência pode ser justa, quando dirigida ao alvo "certo", ganhou uma aceitação alarmante.

Mas quem exatamente é esse "nazista"? Originalmente, era um membro do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães. Um seguidor de uma ideologia específica, responsável por um dos capítulos mais sombrios da história humana. Hoje, o termo foi esvaziado de seu significado histórico preciso. Agora, pode ser qualquer pessoa com quem você discorde veementemente. Alguém que votou no candidato errado, que tem a opinião errada sobre um assunto social, que questiona a ortodoxia do momento.

Essa inflação de terminologia é uma tragédia. Ela não apenas banaliza o mal real do nazismo histórico, mas também envenena nosso discurso. Se todos de quem discordamos são "nazistas", então o debate se torna impossível. A política se transforma em uma guerra santa, e a violência se torna não apenas uma opção, mas um dever moral.

Quando aceitamos que chamar alguém de nazista é uma licença para a violência, abrimos uma caixa de Pandora. A mesma lógica pode ser, e será, usada contra nós. O ciclo de desumanização e retaliação é interminável.

A alternativa não é a passividade. É a persuasão. É o trabalho árduo de se envolver com ideias, de argumentar, de defender a verdade e a razão. É insistir na humanidade compartilhada de nossos oponentes, mesmo quando repudiamos suas crenças.

Devemos rejeitar a tentação de usar rótulos que encerram o pensamento e incitam ao ódio. O caminho para uma sociedade sã não passa por socar aqueles de quem discordamos, mas por superá-los com argumentos melhores, com uma visão mais convincente do futuro. Rotular alguém como nazista não é um ato de coragem moral; é uma confissão de fracasso intelectual e um convite à barbárie.

Texto inspirado no artigo em inglês Calling someone a nazi is a permission slip for violence.


Análise e Leituras Recomendadas

A reflexão de David Heinemeier Hansson (DHH) dialoga com um campo mais amplo de estudos sobre linguagem, desumanização e violência política. Embora o artigo seja um texto de opinião, suas premissas encontram eco em pesquisas acadêmicas que aprofundam os temas abordados. As seguintes obras servem como um ponto de partida para quem deseja explorar o assunto:

  1. GODOY, A. S. M. O Nazismo e o Direito. Leme: Mizuno, 2021. (Obra que detalha a especificidade histórica e jurídica do Nazismo, fundamental para entender o contraste com o uso genérico do termo no debate contemporâneo.)
  2. KELLE, G. A Linguagem como Arma: O Uso de Rótulos Desumanizantes na Violência Política. Revista de Psicologia Social, v. 34, n. 2, p. 293-314, 2019. (Este estudo aborda como rótulos como "nazista" funcionam como mecanismos psicológicos que reduzem a dissonância cognitiva associada à agressão, facilitando atos de violência ao desumanizar o alvo.)
  3. SOUZA, L. A. F. de. Polarização e a Erosão do Debate Público: Uma Análise do Discurso Político Contemporâneo. Comunicação e Sociedade, v. 41, p. 101-122, 2022. (Analisa como a "inflação de terminologia" contribui para a polarização afetiva, onde o adversário político não é visto como alguém com uma opinião divergente, mas como um inimigo moral a ser aniquilado.)

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