Filosofia da Natureza em Aristóteles: Livro I da Física

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Notas Sobre a Filosofia da Natureza em Aristóteles - baseadas no Comentário de S. Tomás de Aquino à Física de Aristóteles

Livro Primeiro da Física

1. A determinação dos princípios da natureza segundo os antigos filósofos.

Aristóteles inicia o Livro I da Física fazendo um apanhado das principais colocações que os antigos filósofos fizeram sobre os princípios da natureza. Alguns disseram que estes princípios seriam o ar, a água, o fogo, um princípio indeterminado, os átomos ou ainda outros. Em todos estes casos Aristóteles afirma que a consideração destes filósofos não ultrapassou a abordagem da causa material.

Houve ainda outros filósofos que falaram da natureza de um modo não natural, como Parmênides, que negou a multiplicidade dos entes e a existência das mutações na natureza, afirmando que tratavam-se de ilusões e que só havia na realidade um único ser imóvel e eterno. Quem fala assim, diz Aristóteles, na verdade nega a natureza, pois ela é, conforme afirma mais adiante o Filósofo, um princípio intrínseco de movimento.

2. Determinação dos primeiros princípios da natureza, segundo Aristóteles.

Em seguida Aristóteles passa à consideração dos princípios da natureza, entendidos estes em sua abordagem mais fundamental possível. Sejam quais forem os primeiros princípios da natureza, os quais terão que ser também os primeiros princípios do movimento, terão que possuir as seguintes características:

  1. Que não sejam a partir de outros;
  2. que não sejam a partir um do outro;
  3. que todas as coisas sejam a partir deles.

Ora, qualquer coisa que se torna a partir de outra coisa o faz a partir da negação desta coisa. Neste sentido, dizemos que o branco se torna branco a partir do não branco. Todas as coisas da natureza, portanto, ou são contrários ou se tornam a partir de contrários. Temos assim dois princípios necessários em qualquer mutação: o término para o qual tende o movimento e o oposto deste término a partir do qual se iniciou o movimento. A natureza, pois, supondo o movimento, pressupõe também, como princípios, a existência de dois contrários entre os quais se realiza o movimento.

Não basta, porém, a existência de dois contrários para explicar o movimento. É necessário também tomar como um terceiro princípio o sujeito destes contrários, pois não é o próprio branco que se torna negro, mas alguma coisa branca que deixa de ser branca e se torna negra. Os contrários transformam um terceiro, que é o sujeito de ambos, e este sujeito é, assim, o terceiro princípio que deve ser postulado para explicar o movimento.

Desta maneira, todas as gerações das coisas naturais podem ser explicadas colocando-se a existência de um princípio material e de dois princípios formais. Estes princípios podem ser chamados de,

Princípio material:

  • O sujeito.

Princípios formais:

  • O término;
  • O oposto do término.

Ou, ainda melhor,

Princípio material:

  • O sujeito.

Princípios formais:

  • A forma;
  • A privação da forma.

3. A matéria, a forma e a privação da forma como princípios da natureza.

Deve-se considerar, porém, a hipótese que em algumas transformações da natureza pode ocorrer não apenas uma passagem de uma forma para a privação desta forma ou vice versa, conservando-se o sujeito, mas também que o próprio sujeito mude e se torne outro sujeito.

Isto, porém, só poderá ser explicado se se admitir que haja uma composição de sujeito e forma naquele sujeito, e que haja um sujeito absolutamente primeiro na natureza. Este sujeito absolutamente primeiro é chamado de matéria primeira. Ele é pura indeterminação, mera potência ao ser em ato, que não pode existir por si só, necessitando ser determinado por uma forma para poder existir efetivamente. Ele deve entrar, porém, necessariamente na composição de todos os entes naturais. Desta maneira, os princípios últimos da natureza são os seguintes:

  • A matéria primeira;
  • A forma;
  • A privação da forma.

A matéria primeira, não existindo separadamente sem estar em composição com a forma, não pode ser conhecida em si mesma. Apenas podemos inferir a sua natureza indiretamente por analogia.

4. Substância e acidente.

Chama-se com o nome de substância ao ente que em primeiro lugar entra efetivamente na existência, que por primeiro e por si mesmo existe em ato, e não apenas em potência como a matéria primeira.

Por este motivo chama-se também de forma substancial à primeira forma que entra em composição diretamente com a matéria primeira para dar a existência em ato ao sujeito.

Já existindo um sujeito em ato composto de matéria primeira e forma substancial, outras formas podem advir ao sujeito já existente, chamadas de formas acidentais, as quais constituem aquelas realidades às quais chamamos de acidentes. São acidentes atributivos1 tais como a cor, a temperatura, as diversas qualidades sensíveis de que está dotado o sujeito, suas dimensões geométricas, e outras. Estas diversas qualidades e atributos chamam-se de acidentes por contraposição à substância, pois os acidentes não subsistem por si mesmos, mas necessitam de um sujeito, que neste caso é uma substância já existente em ato, para poderem subsistir nela.

5. O cuidado que devemos ter em não interpretar a forma substancial como algo identificável pelos sentidos ou por experimentação laboratorial.

Segundo a doutrina de Aristóteles, a matéria primeira não pode ser conhecida senão indiretamente por analogia, a forma substancial só pode ser conhecida pela atividade da inteligência, e o que vemos ou captamos dos diversos entes pelos cinco sentidos, ou, por extensão, por instrumentos de laboratório, são apenas as formas acidentais dos entes.

A matéria é, em si mesma considerada, puro ente2 em potência.

A forma3 é aquilo que faz o ente em potência tornar-se ente em ato.

O terceiro princípio necessário para explicar as mutações encontradas na natureza, que é a privação, não entra na essência da coisa feita, sendo um princípio dos entes apenas por acidente.


Referências:

NOVO Dicionário Aurélio Eletrônico 6.0: Conforme a Nova Ortografia. S.l.: s.n., s.d.. Software. Acesso via: GoldDict-ng.

Footnotes

  1. No original está atributoas, provavelmente um erro de digitação. A palavra atributivos se encaixa bem aos acidentes do sujeito e significa, segundo o dicionário Aurélio, Que atribui. Essa definição representa o ato mesmo de atribuir características ao sujeito ou à substância. NOVO Dicionário Aurélio Eletrônico 6.0. S.l.: s.n., s.d.. Software. Verbete “atributivo”, acepção 1.
  2. O Ente tem várias significações, mas sempre remete à coisa própria, seja na imaginação ou na realidade. Filos. Tudo que é de maneira concreta, fática ou atual independentemente de, em qualquer nível, tornar-se objeto de reflexão. NOVO Dicionário Aurélio Eletrônico 6.0. S.l.: s.n., s.d.. Software. Verbete “ente”, acepção 4.
  3. Forma: Filos. Princípio que confere a um ser os atributos que lhe determinam a natureza própria. NOVO Dicionário Aurélio Eletrônico 6.0. S.l.: s.n., s.d.. Software. Verbete “princípio”, acepção 17.

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